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Amor às Kuartas

Aqui fala-se de amor às quartas-feiras

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Amor às Kuartas

26
Jul17

Gajas

Kalila

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- Olá, princesa.

Beijinhos. Toques de mãos. Admiração sincera pela amiga mais bonita ou vistosa. Alguma tendência para também a invejar... Mas entre amigas verdadeiras tudo é permitido.

A "princesa" desvaloriza, vive acostumada a desvalorizar. Sente os mimos mas não a envaidecem, sente-se simples e singela.

De singeleza também vive a Cláudia, que se aproxima das duas quase em passo de corrida na urgência de as abraçar.

A esplanada espera-as e a Ema já lá está, a vamp do grupo. Toilette exagerada, maquilhagem espalhafatosa, a mesma Ema de sempre. Que não gosta do próprio nome, que se denomina a si própria "Nena", nome que ninguém utiliza, nem sequer quando ela se apresenta como "algo parecido com avestruz". Normalmente há sorrisos, por vezes gargalhada, mas o "Nena" não pega.

A "princesa" é a Sofia, Sofy para os de casa, Soft para os brincalhões. Ela é mesmo soft, para o mundo em geral, só a Guida lhe chama princesa, os outros tratam-na como rainha. De nenhum território, apenas do mundo inteiro se nele reinasse a paz.  

Enquanto se sentam, espalhafatam, brincam umas com as outras e se inteiram do que as rodeia, um solitário numa mesa próxima aprecia o grupo. São todas bonitas ou interessantes, no seu entender, mas prende-se numa a sua atenção. Tem um sorriso maravilhoso, os dentes desalinhados mas lindos no desalinho. A tez muito clara e pintalgada é encimada por uma lógica e farta cabeleira ruiva. Ouve com atenção a conversa delas a fim de lhe perceber o nome. Fica feliz quando finalmente o percebe: Guida!

Supõe-na Margarida, mas sabe que há Guidas também. Mas aquela só pode ser flor, a mais maravilhosa daquele ramalhete. Não que seja bela nem linda nem muito vistosa, é diferente... e especial.

O observador queda-se a estudá-la por detrás dos óculos escuros. Aparenta uns 30 anos, talvez mais um pouco, tem algo de malícia nos olhares oblíquos, ri-se e olha de lado para as amigas com ar maroto.

Naquele grupo, Guida é a única solteira e livre de compromissos. Mal o supõe o seu observador mas, no fundo, no fundo, talvez tenha esperanças disso...

Sofy repara nas atenções, Guida também mas não parece importar-se. Ema troca um olhar entendido com Cláudia.

A conversa corre sobre tudo e nada, Cláudia tem a voz mais forte e a gargalhada mais fácil. Aquela situação de haver homem por perto a "galar" a Guida parece-lhe engraçada e resolve apimentar as coisas:

- Guida, "anda mouro na costa" ou já acostaste?

Uma madeixa ruiva cai na testa da Guida quando ela solta uma gargalhada:

- O meu barquinho ainda não arranjou bom porto. Há sempre mouros na costa mas nenhum encantado.

A galhofa é geral. Sofia resolve dissertar sobre a moura encantada da lenda:

- Coitada da moura, apaixonada por um cristão, dizem que ainda lá anda! Raio que os feitiços de agora quase que não duram nada!

Ema não se contém:

- Duram duram, quando na pessoa certa! 

Ficam todas expectantes... E ela dispara:

- Olhem-me aqueles do petróleo, com aquelas vestes brancas e lencinhos na cabeça, foram enfeitiçados pelo dinheiro, nem sabem o que fazer com ele!

Cláudia graceja:

- Mas encantam-se também com loiras e ruivas. Devíamos ir ao Dubai, Guida! Eles têm torres de vigia!

E diz a Guida:

- E gritam que há ruivas na costa? Ai que perigo! Já me sinto um tubarão!

No meio das gargalhadas a calma da Sofia desarma:

- Meninas, eu se fosse loira ou ruiva não me metia nisso. Já pensaram o difícil que deve ser fazer parte de um harém? É mais sensato ter um pobrezito mas que seja só nosso. E que não nos compre nem troque por camelos!

E, inesperadamente, a Guida completa:

- Pode até ser tímido e catrapiscar-nos por detrás dos óculos escuros mas se vier por bem até podemos considerá-lo.

Faz-se um silêncio estranho. Ninguém esperava aquele remate. Uma sorri, outra coça a cabeça... O observador levanta-se devagar, nota-se incómodo na expressão facial, dirige um último olhar ao grupo, arruma a cadeira e vira as costas. Afasta-se lentamente dali e não torna a virar-se.

Cláudia dá uma risadinha:

- Alguém me explica o que é que aconteceu aqui?

Responde a Guida:

- Picou-se! É gaja!

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19
Jul17

Um amor diferente...

Kalila

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer; 

Luís de Camões

 

Este amor de hoje é diferente.

Porque este fogo vê-se, por todo o lado.

É amor a esta terra e a este país!

Em cinzas, todos os Verões!

Não amo sozinha, todos nós amamos, esta terra queimada!

Seremos todos tolinhos ou todos somos traídos nesta nossa paixão?

Diz-se que quem ama não raciocina, presumo que seja o que nos está a acontecer.

Acusa-se tudo e todos: comunicações que falham, organizações deficientes, efetivos insuficientes, ministros incompetentes ou demasiado sensíveis, altas individualidades com coração na boca ou de manteiga, estamos contra tudo o que aparece nas notícias, somos do contra, seremos sempre, porque assim compete a quem não está feliz.

Seremos insatisfeitos? Não, somos é traídos todos os Verões!

Por mais que digam que se faz assim e devia ser assado, que aconteceu frito e devia ser cozido, por mais que nos cantem o fado dos desgraçadinhos, o da tragédia, o da natureza implacável e mais o da desgraça alheia para que a adotemos como nossa, a verdade é que o que nos dói é o cotovelo da amargura da traição!

Quem nos trai?

Quem queima tudo?

A quem interessa que tudo arda? 

Diz-se que o traído é sempre o último a saber...

Ou não conseguirá abrir os olhos?

Enquanto nos fazem zangar com a comunicação social, com o SIRESP, com o governo, com a oposição e com tudo o que houver... A traição continua... As chamas progridem... Arde aqui... Arde ali... Arde tudo!

NENHUM FOGO COMEÇA SOZINHO, MEUS AMIGOS!!! 

Nada entra em auto-combustão para nos arreliar ou espalhar a desgraça!

Os eucaliptos são uns meninos muito maus mas não faz parte da traquinice deles auto-flamejarem-se!

Há pessoas muito estúpidas que atiram beatas para a beira da estrada? Há sim senhor! E por ventura alguma beata consegue fazer fogos daquele tamanho?

As matas estão por limpar, o território por ordenar e mais um monte de coisas mas, meus amigos, alguém faz o fogo! Em vários sítios ao mesmo tempo e por todo o lado! Quantos mais fogos mais confusão e menos competência para os debelar!

Como é que se chegou a um ponto em que é normal que haja fogo e é preciso é combatê-lo? 

O FOGO NÃO É NORMAL! A não ser que arda algo sempre que alguém diz "fogo!" para não dizer palavrão!

O nosso amor ao nosso país e a nós próprios exige-nos muito mais que simples revolta! Declaremos mas é guerra a quem não zela pela segurança do que pertence ao nosso coração! 

Que se ponham investigadores em campo, vigilância sob todo e qualquer meio, a bem da terra e de todos nós!

Este nosso amor é grandioso, sejamo-lo também com ele! Em vez de picuinhas e mesquinhos sejamos implacáveis a exigir zelo e punições exemplares! Que investiguem,  vigiem e salvaguardem! Porque nós já não podemos aceitar mais traições! 

Este nosso amor já há muito tempo que deixou de ser incondicional! As condições são que preservem o que tanto amamos!

(imagem Pixabay)

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12
Jul17

Reticências

Kalila

 

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Da janela do café Maria vê as traseiras da sua empresa. Vê estacionar o Sr. Gonçalves, o chefe do armazém. Pela porta do pendura sai a eterna companhia de almoço do Sr. Gonçalves, a linda Sofia, uma mestiça de olhos verdes que cuida da limpeza das instalações.

O que levará um senhor casado de meia idade a manter uma relação daquele tipo quando hoje em dia é tão mais natural separar-se quando não se é feliz?

O Sr. Gonçalves lá saberá as próprias razões! Ou não...!

Na mesa do lado uma complicada conversa de circunstância acerca de mudanças climáticas denota algum nervosismo do interveniente mais tímido. O outro, também masculino, é conhecido pela sua orientação homossexual. Maria conhece-o do elevador, são vizinhos de edifício, é um homem lindo e vistoso, extremamente simpático e delicado.

Demasiado perfeito, pensará quem o julgue apenas como homem. Uma pena que seja gay, para as que babam por ele...!

Atrás do balcão do café cozinham-se pratos simples: omeletes com diversos acompanhamentos, bifes no prato e no pão, fritam-se batatas e febras, grelham-se salsichas toscanas e há taças enormes de saladas. O barulho do enorme exaustor abafa as risadinhas do elemento mais jovem, a Joaninha, como todos lhe chamam, uma recém-licenciada que ainda só arranjou trabalho como ajudante de cozinha. O patrão e cozinheiro-mor derrete a margarina e a ele próprio com aquela companhia da idade da sua filha. Não se contém em humor, algumas indiretas e bajulação sem medida.

Joaninha ri-se, pelo menos tem trabalho.

Maria passeia os olhos pelo que a rodeia. Há hormonas aos pulos até na colega que tem na frente, sempre atenta à porta. Deve estar a ansiar a entrada da princesa da loja da frente. É hábito conversar até aquela hora em que a outra costuma vir beber café, nessa altura desliga do mundo e cola os olhos e o pensamento na porta.

Chama-se Rosa, a colega da Maria, e tem este dom de andar sempre apaixonada. Não só por mulheres, é tão grande o amor que tem para dar que não distingue sexo.

Ah, mas a pobre da Rosa não atrai muita gente de nenhum dos sexos! Tem um ar indefinido de género e os quilos a mais também não ajudam nada!

Linda é a Maria, mas sozinha. Tem-se deixado estar, com sonhos ternos de futuro, doçura no rosto e, quase sem querer, uma espécie de jeito especial de derreter só com um olhar. 

Pedro conhece aquele olhar mas é a primeira vez que o sente no seu quando pergunta se se pode sentar na mesa das colegas...

Maria estremece... Tem muito apreço pela amizade daquele colega... Alguns sonhos inconfessáveis mas também extremo respeito pelos vínculos laborais... O olhar saiu tão desprevenido como desprevenida a apanhou o acaso... Nunca o vira ali... Não o viu entrar... A atrapalhação dos dois era notória... Para todos menos para a Rosa a quem só interessava a porta.

Há embargo no ar... Em boa hora o empregado se dirige ao Pedro.

Que pede um café curto.

Mas é longo o segundo em que Maria e Pedro se tornam a olhar... 

Tantos trabalhos em conjunto, tanto conhecimento laboral que têm um do outro, tanta assertividade e delicadeza desde sempre e... o que é que se passava? Uma enorme dor de cabeça!

Maria é simplesmente a chefe dele, ele o seu subordinado mais promissor! Sempre se sentiram próximos e amigos mas...

Pedro estima aquela amizade como poucas. Mas nunca deixou de sonhar vagamente com o que lhe parecia impossível. 

Mal recebe o café aventura-se a resolver ir em frente. Mas são muitas as reticências...

E o trabalho? E o vínculo respeitoso que sempre se esforçou por manifestar? E a empresa? E os objetivos da temporada? E a próxima campanha que estão a desenvolver juntos? E os quadros superiores? E os outros colegas? E a amizade? E...? E...? E...?

Tantas incógnitas pode a vida conter e tantas vidas condicionadas por elas! O que hoje é problemático pode no futuro ser banal ou perfeitamente aceitável. Por outro lado, afigura-se correto, legal ou inócuo o que dantes não foi. Mudam-se os tempos e as incógnitas... Algumas valem a pena!...  

(imagem Pinterest)

 

 

 

 

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05
Jul17

A lagartixa e o monte de folhas secas

Kalila

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Nadine caminha distraída pela pequena rua do jardim público.

Não há vento nem calor em demasia, apenas uma calma controlada pelo som longínquo do trânsito.

Está por ali sozinha consigo própria e os pensamentos. 

No meio da folhagem uma lagartixa imerge de mansinho mas fica parada no estaladiço das folhas secas.

Nadine esboça um sorriso ao contemplá-la. O normal seria a lagartixa fugir rapidamente mas talvez que as folhas barulhentas a retivessem, meio escondida, meio descoberta. 

A natureza tem coisas engraçadas! A timidez da lagartixa ou a tentativa de passar despercebida deixaram-na num impasse barulhento...

Quantas vezes Nadine se sentia assim?! Escondia do mundo a sua realidade, de si própria os motivos de ser assim...

Passava por se sentir talvez um pouco aérea, dona de uma certa leviandade e talvez alguma falta de recato... talvez fosse namoradeira, como a avó dizia, mas namorava o amor e não pessoa a quem tê-lo. 

Não sentia dúvidas de conduta porque, afinal, não traía ninguém, talvez somente a sua honestidade.

Mas... o que havia de desonesto em procurar a companhia perfeita? Não se prendia a ninguém porque nenhum era o certo, com certeza.

Ah, mas nenhum se sentia apenas seu amigo porque ela não deixava! Ficavam suspensos, mais ou menos ansiosos, e, enquanto isso, o desejo, a perspetiva ou o mistério encarregavam-se de os derreter e deliciar pela expectativa!

Se algum lhe tinha amor ou paixão? Nem pensava muito nisso, a doçura de se sentir desejada bastava-lhe. Deixava-se arrebatar pelo próprio poder, para o qual não precisava de despender qualquer esforço.

Nem sequer era linda, tinha um olhar misterioso e estudado, boa figura mas um rosto quase banal.

Um restolhado imenso fê-la sorrir de novo com a fuga da lagartixa. Libertara-se das folhas e escapulia-se em grande velocidade.

Nadine aproximou-se das folhas, tocou-lhes com o pé, sentiu-as estalar, mexer, trepidar e escorregar com a secura. O vento juntara-as ali e o sol e o verão puseram-nas a cantar. Uma raiva estranha invadiu Nadine. Quis remover com os pés todas as folhas secas mas algumas fugiam-lhe. Não era Outono ainda. Aquelas folhas tinham caído cedo. Tal como a sua ingenuidade ainda em criança...

Levantou-se um vento que devolveu as folhas ao seu lugar anterior. Os pés de Nadine descansavam agora debaixo do banco. As lembranças fizeram-na sentar e esquecer o resto do mundo...

Seria isso que a fazia sentir-se diferente? Ter sido abusada em criança?

Que sinistro pensamento lhe trouxeram as folhas e a lagartixa! Não, sempre se achara forte, dissera mil vezes a si própria que aquilo não era importante, que não passou de um disparate sem consequências! Nunca disse a ninguém, não podia. Só tinha 13 anos mas alguma noção de que se tinha insinuado... Ele era crescido mas jovem, com uns 20 anos... O que o terá levado a reparar numa miudinha?

Ela própria! Sabia e sentia que sim, mas também se lembrava de ter dito que não quando perdeu o controle do que se passava...

Teria isso influência em não conseguir fixar-se? Ou todas as mulheres são mais ou menos assim em alguma altura da vida?

O telemóvel tocou, no quase silêncio daquele jardim.

Gostou do nome que viu no ecran, sorriu, atendeu e lá começou o habitual jogo de sedução. Disse um monte de mentiras, provocou perguntas, insinuou respostas que acabavam noutro tom...

Afinal, sentia-se feliz naquele jogo, com este, com outro, com todos. Fazer o quê? Devia ser mesmo assim...!

Mas a mentira acerca de onde estava trouxe-a de rastos e rapidamente até à realidade. Porque no seu ombro pousou a mão de quem estava no seu ouvido.

Naquele choque refletiram-se as mentiras todas que dizia frequentemente. Num misto de vergonha, raiva consigo própria e um pedido de desculpas sem grande jeito ouviu-o dizer:

- É uma pena que sejas assim porque eu gosto de ti a sério!

Rolaram lágrimas de medo de si própria. Sentia amargura na boca num sabor estranho de desilusão sem remédio. Não conseguia encará-lo mas de olhos no chão ainda disse:

- Eu também acho que gosto de ti mas...

Não saiu mais nada. Queria fugir! Não queria estar ali!

E não queria o abraço que lhe era dirigido. Não o merecia. O beijo também não. Mas veio na mesma.

E naquele recanto do jardim público ele teve esperança e ela candura, sem dúvida pela primeira vez. 

(imagem Pixabay)

 

 

 

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