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Amor às Kuartas

Aqui fala-se de amor às quartas-feiras

Aqui fala-se de amor às quartas-feiras

Amor às Kuartas

29
Mar17

Na minha praia...

Kalila

 

 

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Vocês ainda não sabem mas eu tenho uma praia. É um sítio onde vou encontrar-me comigo própria, que frequento desde tenra idade, batida por nortadas sem dó nem piedade, com um mar sempre revolto e onde praticamente nunca se consegue nadar. É minha porque vou lá de Verão e de Inverno, faça frio, chuva ou nortada, esteja repleta de areia ou só de rochas composta, quando o maroto do mar se lembra de a despir no meio de alguma das suas fúrias. Já lá apanhei verdadeiros sustos de morte como uma onda gigante que me deixou espalmada e estarrecida contra a arriba de 50 metros de altura, um surfista desmaiado a quem não pude valer senão ligando para o 112, único número para onde se consegue ligar de lá, e um barquito encalhado nas rochas com uma criança dentro e sem mais ninguém por perto. Mas o meu amor por aquela praia é tão incondicional que até a consigo dividir com muitos mais durante todo o Verão. Há alguma ciumeira, sim, ah mas no Inverno partilho-a só com os pescadores e as gaivotas! 

As gaivotas da zona são as comuns "argênteas", presentes em toda a nossa costa, são aquelas de asas cinzentas, patas e bicos amarelos, elegantérrimas no voo, excelentes na arte da pescaria e exímias na de roubar a comida alheia. 

Numa bela tarde escaldante andava eu a tentar que o mar me refrescasse quando o meu saco foi assaltado por um par de gaivotas. Vim de lá a correr e a dar aos braços, com toda a gente a rir-se de mim e da situação, mas o único resultado foi elas fugirem com a minha sandes e o meu pastel de bacalhau que esperavam no topo do saco que eu os comesse e não por serem roubados. Piúrsa com a ocorrência, tratei de fazer a mala e desandar dali para o bar da praia a fim de matar a minha fome e na certeza de que se encontrasse as gaivotas pelo caminho era muito bem capaz de lhes ditar a merecida sentença de morte. 

A esplanada estava repleta de gente, para mim só havia uma mesa praticamente nas traseiras. Sentei-me, contrariada com tudo e com todos, amaldiçoando até as gaivotas que grasnavam na encosta e que estariam presumivelmente inocentes.

Enquanto esperava por ser atendida algo me chamou a atenção a uns 20 metros de onde me encontrava: um saquinho de papel castanho igualzinho ao que continha o meu malogrado lanchinho!

Seria? Pus-me em pé de um salto, esqueci a fome, abandonei a mesa que alguém logo ocupou e imediatamente comecei a tratar da investigação. Ou seja, disfarçadamente agarrei no saco de papel e como uma qualquer exemplar cidadã tratei de o colocar no lixão depois de ter constatado de que se tratava do invólucro da ocorrência.

Ora bem, acho que foi por essa altura que dei comigo a sorrir de mim própria. E devo ter sorrido até à gaivota que passou por mim com um bocado de pão no bico. E, provavelmente, até à que deixou cair um pedaço de pastel quase na minha cabeça. Dirigiam-se para nascente, por cima do riacho,  naquele voo elegante e planado que tão bem lhes conhecemos. Já agora, e para quem não sabe, deixem-me dizer que toda aquela elegância se deve à envergadura das asas que lhes permite esbanjarem charme mesmo depois de um assalto.

À beira do riacho o caminho é torto e tortuoso, cheio de pedregulhos, seixos rolados e ervas invasoras, tudo muito pouco amigo dos meus chinelos de praia. Mas a curiosidade venceu-me o desconforto e um ruído estranho mas bem audível espevitou ainda mais a minha bisbilhotice. Mesmo meia zangada com elas só me vinham à lembrança momentos e até horas que já tinha passado a contemplar a espécie, nos seus voos poéticos e inspiradores, na sua luta pela subsistência na faina do mar, ladina e matreira, e de como sempre me tinha escapado para onde iriam elas quando deixavam a praia à noitinha.

O barulho foi ficando mais intenso quando as vi pousar lá longe, atrás dum ressalto do terreno. Dei uma corridinha, conforme os pedregulhos deixaram, e quando o ressalto deixou de me atrapalhar a vista deparou-se-me um espetáculo inesquecível. Numa espécie de pequeno vale, por certo um espraianço de outrora daquele riacho, estavam dezenas de gaivotinhas ainda castanhas, umas já desenvoltas, outras ainda nos ninhos acompanhadas das mães, numa imensa colónia barulhenta e em movimento de que achei por bem não me aproximar muito para não perturbar. As gaivotas que me precediam e que tinham perpetrado o assalto ao meu lanche tinham-se encarregado de abastecer dois dos ninhos e respetivas mamãs no meio de imenso carinho e ternura com as próprias e alguns piparotes de asas com os filhotes pequeninos.    

Fiquei atónita, enternecida e quase capaz de lhes pedir perdão por me ter zangado. Mais tarde descobri que elas são monogâmicas, acasalam para toda a vida, e não mais me esqueci do carinho que presenciei durante a entrega daquelas oferendas, atrevidas e inusitadas, mas para sempre perdoadas.

(imagem Pixabay)

 

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22
Mar17

Ilusão e fantasia

Kalila

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O dedo médio da mão direita e o apontador da esquerda tamborilavam nas margens do teclado um ritmo qualquer no meio da concentração algo distraída do protagonista. Jovem, talvez, inteligente, sem dúvida, pouco inspirado naquele momento mas quase sempre sagaz.

O monitor exigia uma atenção que não lhe conseguia dar. Havia um aviso, uma piscadela algures, algo estava a ser instalado mas o tamborilar passou das margens do teclado para a ponta da mesa, usando mais dedos, fazendo mais barulho, esquecendo instalações, avisos e piscadelas. Não queria o monitor a falar consigo, queria inspiração para falar com ela!

Ela estava algures, olhando o monitor, instalando devagar alguma secreta esperança. Meio a brincar dissera muito, a sério diria talvez menos, na vida real por certo diria coisa nenhuma.

Sim, porque tudo o que passe por softwares deixa de ser real, porquanto não seja a família emigrada via skype. Talvez um mail consiga reunir suficiente autenticidade, quando devidamente identificado, talvez outras formas de comunicação online sejam fidedignas da verdade pura, objetiva e convicta mas não era o caso. Não vamos especificar para deixar em aberto todas e quaisquer hipóteses e dúvidas. Poderia ser chat,  forum, site, blog, rede social, muito ou tudo se pode imaginar. Saibamos apenas que uma "não devidamente identificada" escreveu: "pareces uma pessoa muito interessante, sob todos os aspetos" e ele acabou por responder:"sinto o mesmo em relação a ti".

Ambos sonharam com alguém lindo, polido, disponível e espantosamente amoroso do outro lado. Mais umas frases de parte a parte e a conversa em privado seria muito mais lógica. Seguiram a corrente, trocaram fotos e intimidades, em poucos dias não havia ninguém mais perfeito no mundo do que cada uma daquelas duas pessoas, unidas online, separadas no mapa, nem um pouco sinceras e só perfeitas na forma de escrever.

A hora da verdade demorou alguns meses, o encontro em campo neutro de metade da distância nem as vozes reconheceu que o telefone distorcera. Ou seria o exagero de querer parecer tão perfeito que os fez adocicar até a saída do som?

Não há fim neste romance porque nem houve princípio, apenas encenação, ilusão e fantasia; e do sonho se fez fiasco porque só se conhece de facto quem passa fisicamente nos trilhos da nossa vida. 

(imagem Pixabay)

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14
Mar17

No Metro de Lisboa

Kalila

 

 

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O Metro atafulhado da hora de ponta tinha o poder de fazer Aline abstrair-se do que a envolvia, como se nada valesse a pena ser olhado, pensado ou sentido. Quanto mais gente a rodeava maior era a sua distração, costumava deixar-se embebedar pela confusão e, por momentos, conseguia até imaginar-se no campo, numa praia deserta ou em qualquer sossego fora deste mundo de multidões e barulhos. A viagem de volta a casa era quase sempre assim, lânguida e serena, como se nada mais houvesse senão o meio de transporte e ela própria. Cansada, volátil e distante.

Naquele tarde vinha diferente, nem sabia bem porquê. Talvez que o trabalho complicado a tivesse posto assim, demasiado stressada para a habitual alienação. E alerta em todas as paragens, quando só costumava ficar na anterior à sua.

Uns olhos verdes chamaram-lhe a atenção no meio do mar de gente. Fitavam-na, quase descaradamente.

Conheciam-se? Achou que não. Os olhos pertenciam a uma cara linda, difícil de esquecer. Deixou-se olhar, enquanto olhava também, pausada mas perentoriamente.

A mole humana era como um cenário em constante movimento, que os fazia mudar de sítio e de apoio de mãos mas mantinham o olhar, como que em transe, numa inexplicável sede de algo estranho que os olhos de ambos procuravam sem saber porquê. Não havia incómodo pela insistência, nem mal-estar pela continuidade, simplesmente olhavam-se. Ele até talvez um pouco timidamente, ela curiosa e expectante.

Uma travagem brusca trouxe-os para a realidade do Metro apinhado quando alguém bateu com a cabeça num varão. No meio do nada, algures no túnel, os presentes olhavam-se entre si, interrogadores. E os olhos verdes, lindos e misteriosos, pousavam mais calmos nos de Aline.

Uma voz informava de uma avaria quando a distância do olhar se foi tornando mais curta. Ele aproximava-se, devagar, foi pedindo licença e chegou-lhe ao lado, quase sorrateiro. 

Sorriram-se, sem saber porquê. Cumprimentaram-se como se já se conhecessem. Foi ele quem falou primeiro acerca do incidente, dando um quarto de volta para a tornar a olhar nos olhos. Ela sorriu, como se fosse engraçado estar fechado no Metro parado no meio do túnel. Ele retribuiu o sorriso, meigo e com mil intenções no olhar sorridente. Apresentou-se-lhe ao ouvido, com suavidade mas aspirando-lhe o perfume. Ela fez o mesmo, ainda arrepiada com o sentir da respiração na sua orelha.

Como velhos amigos, foram conversando no ouvido um do outro, ambos encantados e estremecidos por tão grata avaria.

Passada cerca de meia hora tudo foi restabelecido e o Metro tornou a andar... Mas nada seria como antes...

(imagem: acidadenapontadosdedos.com) 

 

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08
Mar17

"Amar é viver e viver é amar"

Kalila

 

 

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O que fazemos por amor? Vivemos!

Nascemos do amor dos nossos pais um pelo outro, crescemos no amor de ambos para connosco, evoluímos com o amor dos amigos, dos avós, dos tios, da restante família, dos amigos dos pais, dos pais dos amigos, de professores dedicados, de conhecidos simpáticos, de desconhecidos gentis e até de animais de estimação. Há toda uma teia de amor omnipresente à nossa volta, enquanto nós nos encarregamos de espalhar amor também. Amamos todos juntos e um a um, fraternal ou amistosamente e, da forma mais pura, os nossos irmãos, quando temos a sorte de os ter.

E cedo conhecemos outra forma de amar, ainda antes de a sentir. Vem de mansinho, familiarmente, de pezinhos de lã na TV, abeira-se de nós num contexto social e faz malabarismos connosco ainda crianças.

Os meninos ou meninas que nos encantam na infância, e a quem os mais velhos chamam “namoradinhos”, são amigos especiais, namorados a brincar mas quase com privilégios de amor a sério. Alguns tornam-se mais importantes do que toda a gente, são nossos cúmplices e nós cúmplices deles, enquanto todos brincam com a nossa relação. Descobre-se o mundo pelos olhos do outro, contam-se-lhe segredos de importância extrema, brinca-se com o amor e a perspetiva dele, sonha-se e brinca-se, fala-se e ri-se, conjugam-se todos os verbos lúdicos e imaginativos, enquanto se vai crescendo e aprendendo a amar.

Se é certo que nem todas as crianças passam por esta vivência também não é menos verdade que pela puberdade todos lá vão cair, de uma maneira geral. É vê-los apaixonados, reticentes com tudo e todos que possam estragar o romance, ansiosos de serem levados a sério e amedrontados com as sensações poderosas e incomodativas. Sentem-se quase adultos mas nem a adolescência chegou ainda e torna-se difícil lidar com eles e com o que a vida lhes vai inspirando.

Que é amor, não se duvide, que é paixão, não se subestime, mas eles são quase crianças e pré-adolescentes e o rebuliço interior incompreende-lhes os sentidos e os sentimentos. Mal damos conta já mudaram de paixão e mal se apaixonam já estão perto de dizer adeus. Não há fidelidade nem exclusividade nessas tenras idades, há turbilhões hormonais, incapacidade de lidar com o desconhecido e ignorância total sobre o que se passa consigo mesmo.

Mas tudo isso é escola e estágio do que virá a seguir. Na adolescência tudo começa a fazer sentido, de repente somos grandes, sabemos tudo, o mundo inteiro é um disparate face a todas as certezas que temos, somos magníficos, poderosos e nada nem ninguém nos consegue tirar a razão. Talvez só o amor, que costuma ser avassalador mas de pouca dura. E não somos adultos mas temos absoluta certeza de que sim, revoltamo-nos por tudo e por nada e amamos como se o mundo fosse acabar de repente.

O adolescente ama com fervor, loucura, empenhamento mas também algum desprendimento. Porque no meio de tanta certeza consigo próprio face ao mundo, aparece um contra enorme, uma fraqueza colossal, uma dúvida gritante, que é quando se apercebe, já próximo da idade adulta, de que continua a crescer, em todos os aspetos, e encontra o paradoxo de duvidar de si próprio quando só tinha certezas. Isto porque vai evoluindo, ao contrário do que previa, vai definindo a sua personalidade, que lhe parecia já estar mais do que consolidada, vai adquirindo outras certezas diferentes das anteriores e espanta-se consigo próprio porque afinal não tinha atingido ainda o fim da escala da perfeição. Tudo isto em meios familiares complicados porque a adolescência encarrega-se de espalhar discórdia, mal estar, incompreensão e outros mimos ao seu redor. Valem aos adolescentes os seus pares em idade, as suas paixões e todo o amor canalizado e forte, muito sexual, dinâmico e verdadeiramente avassalador.

Ao ficarmos adultos reatamos a paz familiar, as hormonas sossegam, o espírito acalma, hipoteticamente passamos a controlar tudo o que nos envolve mas, no que respeita ao amor, ele é que nos controla a nós. E, muito mais importante do que isso, encarrega-se também de nos descontrolar.

“Amar é viver e viver é amar” mas nunca é fácil nem livre de encargos ou problemas. Amemos, amemos muito! Vivamos, o melhor possível!  

(imagem Pixabay)

 

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01
Mar17

Hino ao Amor

Kalila

L'hymne à L'amour

 

 

Le ciel bleu sur nous peut s'effondrer

Et la terre peut bien s'écrouler

Peu m'importe, si tu m'aimes

Je me fous du monde entier

 

Tant qu'l'amour inond'ra mes matins

Tant que mon corps frémira sous tes mains

Peu m'importent les problèmes

Mon amour puisque tu m'aimes

 

J'irais jusqu'au bout du monde

Je me ferais teindre en blonde

Si tu me le demandais

J'irais décrocher la lune

 

J'irais voler la fortune

Si tu me le demandais

 

Je renierais ma patrie

Je renierais mes amis

Si tu me le demandais

On peut bien rire de moi

Je ferais n'importe quoi

Si tu me le demandais

 

Si un jour la vie t'arrache à moi

 

Si tu meurs que tu sois loin de moi

Peu m'importe si tu m'aimes

Car moi je mourrai aussi

 

Nous aurons pour nous l'éternité

Dans le bleu de toute l'immensité

Dans le ciel plus de problèmes

Mon amour crois-tu qu'on s'aime

Dieu réunit ceux qui s'aiment

 

 

 Composto em homenagem a Marcel Cerdan, o grande amor da vida de Edith Piaf.

 É poderoso, não é?

O amor nem sempre é poderoso. Algum é calmo e sensato mas mesmo esse vale só por si. Sempre!  

 

 

 

 

 

 

 

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