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Amor às Kuartas

Aqui fala-se de amor às quartas-feiras

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Amor às Kuartas

12
Abr17

20 anos a ver o mar

Kalila

b990233b777d7a19b8a590fb3383f88aRAIO MAR PINTEREST

 

Som de gargalhadas em mesa próxima. O vento ia trazendo folhas da árvore. Uma rajada mais forte levou o guardanapo dela. Ele ajeitava a cadeira, incomodado com o vento na esplanada. 

Ela olhava o mar, ele o céu que ameaçava chuva.

Vinte anos de esplanada ao domingo à tarde, vinte anos de contemplação do mar. Os silêncios cómodos tinham-se instalado havia algum tempo. Ela sonhadora, sem assunto viável. Ele contrariado, sem assunto plausível.

Vinham ali porque sim, porque tinham namorado ali, porque ela gostava do mar, porque ele não via interesse em ir a outro sítio. Também não via interesse em estar ali, principalmente com vento e ameaças de chuva. Mas era uma esplanada como outra qualquer, onde se bebia café. E via-se o mar...

O que é que ela veria no mar? E nele? Ainda veria alguma coisa nele?

O mar rugiu nas rochas e o vento despenteou-lhe as ondas. Ela estudava o mar atentamente, como se disso dependesse algo de muito importante. Ele estava de costas para o mar, fugindo dos efeitos do vento. 

Era sempre ele quem primeiro se levantava. Por nenhuma razão em especial, tinha várias. Ela imitava-o logo a seguir, evitava-lhe o olhar desencantado. Dizer o quê? Fazer o quê?

Os passos de ambos iam sempre primeiro visitar o mar mais de perto, numa espécie de varanda. O ritual seguinte era decidir se davam o habitual pequeno passeio para o lado direito ou para o lado esquerdo. Um deles costumava tomar a iniciativa, sem motivos nem motivações.

Naquela tarde ficaram-se pela varanda sem saberem porquê. Talvez pelo céu cinzento, talvez pelo vento, talvez por nada...

Tinha começado a trovejar havia algum tempo. Ainda não chovia mas quase choviam faíscas no mar lá longe. As descargas desenhadas no céu e no mar arrepiavam mas eram um espetáculo magnífico! Os sons iam aumentando e ecoavam na arriba da esquerda. Do lado direito as gaivotas iam desaparecendo amedrontadas.

Um trovão maior fê-los recuar porque a varanda tremeu. Havia uma cobertura, uns passos mais atrás, e um muro alto. Foi o que os abrigou assim de repente de um desabamento súbito de águas. A intensidade foi tanta como brutal foi o trovão seguinte...

Imagine-se ficar cego e surdo de repente... Foi exatamente isso que aconteceu! O raio caiu precisamente onde estavam antes, num mastro de bandeira que aquela construção em forma de varandim ostentava frente ao mar! 

Passaram uns segundos... No meio da chuva cheirava a enxofre... 

Ela parecia sentir ainda o chão tremer à medida que recuperava a visão. Ele sentia-se surdo para sempre.

Depois do pânico inicial, as pessoas da esplanada começaram a acorrer ao local, ignorando a chuva torrencial, para ajudarem aquele casal que tinha caído de joelhos com o impacto elétrico. Encontraram-nos abraçados, encharcados e combalidos mas sãos e salvos. Principalmente do desencanto dos vinte anos. Aquele raio só rachou algumas pedras do chão mas matou de vez o desencantamento. Recusaram ambulâncias e assistência, encontravam-se bem, tinham-se reencontrado no meio de uma descarga de 30.000 amperes.

(imagem Pinterest)

 

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