Nadine caminha distraída pela pequena rua do jardim público.
Não há vento nem calor em demasia, apenas uma calma controlada pelo som longínquo do trânsito.
Está por ali sozinha consigo própria e os pensamentos.
No meio da folhagem uma lagartixa imerge de mansinho mas fica parada no estaladiço das folhas secas.
Nadine esboça um sorriso ao contemplá-la. O normal seria a lagartixa fugir rapidamente mas talvez que as folhas barulhentas a retivessem, meio escondida, meio descoberta.
A natureza tem coisas engraçadas! A timidez da lagartixa ou a tentativa de passar despercebida deixaram-na num impasse barulhento...
Quantas vezes Nadine se sentia assim?! Escondia do mundo a sua realidade, de si própria os motivos de ser assim...
Passava por se sentir talvez um pouco aérea, dona de uma certa leviandade e talvez alguma falta de recato... talvez fosse namoradeira, como a avó dizia, mas namorava o amor e não pessoa a quem tê-lo.
Não sentia dúvidas de conduta porque, afinal, não traía ninguém, talvez somente a sua honestidade.
Mas... o que havia de desonesto em procurar a companhia perfeita? Não se prendia a ninguém porque nenhum era o certo, com certeza.
Ah, mas nenhum se sentia apenas seu amigo porque ela não deixava! Ficavam suspensos, mais ou menos ansiosos, e, enquanto isso, o desejo, a perspetiva ou o mistério encarregavam-se de os derreter e deliciar pela expectativa!
Se algum lhe tinha amor ou paixão? Nem pensava muito nisso, a doçura de se sentir desejada bastava-lhe. Deixava-se arrebatar pelo próprio poder, para o qual não precisava de despender qualquer esforço.
Nem sequer era linda, tinha um olhar misterioso e estudado, boa figura mas um rosto quase banal.
Um restolhado imenso fê-la sorrir de novo com a fuga da lagartixa. Libertara-se das folhas e escapulia-se em grande velocidade.
Nadine aproximou-se das folhas, tocou-lhes com o pé, sentiu-as estalar, mexer, trepidar e escorregar com a secura. O vento juntara-as ali e o sol e o verão puseram-nas a cantar. Uma raiva estranha invadiu Nadine. Quis remover com os pés todas as folhas secas mas algumas fugiam-lhe. Não era Outono ainda. Aquelas folhas tinham caído cedo. Tal como a sua ingenuidade ainda em criança...
Levantou-se um vento que devolveu as folhas ao seu lugar anterior. Os pés de Nadine descansavam agora debaixo do banco. As lembranças fizeram-na sentar e esquecer o resto do mundo...
Seria isso que a fazia sentir-se diferente? Ter sido abusada em criança?
Que sinistro pensamento lhe trouxeram as folhas e a lagartixa! Não, sempre se achara forte, dissera mil vezes a si própria que aquilo não era importante, que não passou de um disparate sem consequências! Nunca disse a ninguém, não podia. Só tinha 13 anos mas alguma noção de que se tinha insinuado... Ele era crescido mas jovem, com uns 20 anos... O que o terá levado a reparar numa miudinha?
Ela própria! Sabia e sentia que sim, mas também se lembrava de ter dito que não quando perdeu o controle do que se passava...
Teria isso influência em não conseguir fixar-se? Ou todas as mulheres são mais ou menos assim em alguma altura da vida?
O telemóvel tocou, no quase silêncio daquele jardim.
Gostou do nome que viu no ecran, sorriu, atendeu e lá começou o habitual jogo de sedução. Disse um monte de mentiras, provocou perguntas, insinuou respostas que acabavam noutro tom...
Afinal, sentia-se feliz naquele jogo, com este, com outro, com todos. Fazer o quê? Devia ser mesmo assim...!
Mas a mentira acerca de onde estava trouxe-a de rastos e rapidamente até à realidade. Porque no seu ombro pousou a mão de quem estava no seu ouvido.
Naquele choque refletiram-se as mentiras todas que dizia frequentemente. Num misto de vergonha, raiva consigo própria e um pedido de desculpas sem grande jeito ouviu-o dizer:
- É uma pena que sejas assim porque eu gosto de ti a sério!
Rolaram lágrimas de medo de si própria. Sentia amargura na boca num sabor estranho de desilusão sem remédio. Não conseguia encará-lo mas de olhos no chão ainda disse:
- Eu também acho que gosto de ti mas...
Não saiu mais nada. Queria fugir! Não queria estar ali!
E não queria o abraço que lhe era dirigido. Não o merecia. O beijo também não. Mas veio na mesma.
E naquele recanto do jardim público ele teve esperança e ela candura, sem dúvida pela primeira vez.
(imagem Pixabay)