No Metro de Lisboa
O Metro atafulhado da hora de ponta tinha o poder de fazer Aline abstrair-se do que a envolvia, como se nada valesse a pena ser olhado, pensado ou sentido. Quanto mais gente a rodeava maior era a sua distração, costumava deixar-se embebedar pela confusão e, por momentos, conseguia até imaginar-se no campo, numa praia deserta ou em qualquer sossego fora deste mundo de multidões e barulhos. A viagem de volta a casa era quase sempre assim, lânguida e serena, como se nada mais houvesse senão o meio de transporte e ela própria. Cansada, volátil e distante.
Naquele tarde vinha diferente, nem sabia bem porquê. Talvez que o trabalho complicado a tivesse posto assim, demasiado stressada para a habitual alienação. E alerta em todas as paragens, quando só costumava ficar na anterior à sua.
Uns olhos verdes chamaram-lhe a atenção no meio do mar de gente. Fitavam-na, quase descaradamente.
Conheciam-se? Achou que não. Os olhos pertenciam a uma cara linda, difícil de esquecer. Deixou-se olhar, enquanto olhava também, pausada mas perentoriamente.
A mole humana era como um cenário em constante movimento, que os fazia mudar de sítio e de apoio de mãos mas mantinham o olhar, como que em transe, numa inexplicável sede de algo estranho que os olhos de ambos procuravam sem saber porquê. Não havia incómodo pela insistência, nem mal-estar pela continuidade, simplesmente olhavam-se. Ele até talvez um pouco timidamente, ela curiosa e expectante.
Uma travagem brusca trouxe-os para a realidade do Metro apinhado quando alguém bateu com a cabeça num varão. No meio do nada, algures no túnel, os presentes olhavam-se entre si, interrogadores. E os olhos verdes, lindos e misteriosos, pousavam mais calmos nos de Aline.
Uma voz informava de uma avaria quando a distância do olhar se foi tornando mais curta. Ele aproximava-se, devagar, foi pedindo licença e chegou-lhe ao lado, quase sorrateiro.
Sorriram-se, sem saber porquê. Cumprimentaram-se como se já se conhecessem. Foi ele quem falou primeiro acerca do incidente, dando um quarto de volta para a tornar a olhar nos olhos. Ela sorriu, como se fosse engraçado estar fechado no Metro parado no meio do túnel. Ele retribuiu o sorriso, meigo e com mil intenções no olhar sorridente. Apresentou-se-lhe ao ouvido, com suavidade mas aspirando-lhe o perfume. Ela fez o mesmo, ainda arrepiada com o sentir da respiração na sua orelha.
Como velhos amigos, foram conversando no ouvido um do outro, ambos encantados e estremecidos por tão grata avaria.
Passada cerca de meia hora tudo foi restabelecido e o Metro tornou a andar... Mas nada seria como antes...
(imagem: acidadenapontadosdedos.com)